quinta-feira, 28 de maio de 2015

Momento de poesia.....De Quem é o Olhar??













De quem é o olhar 
Que espreita por meus olhos? 
Quando penso que vejo, 
Quem continua vendo 
Enquanto estou pensando? 
Por que caminhos seguem, 
Não os meus tristes passos, 
Mas a realidade 
De eu ter passos comigo ? 

Às vezes, na penumbra 
Do meu quarto, quando eu 
Por mim próprio mesmo 
Em alma mal existo, 

Toma um outro sentido 
Em mim o Universo — 
É uma nódoa esbatida 
De eu ser consciente sobre 
Minha idéia das coisas. 

Se acenderem as velas 
E não houver apenas 
A vaga luz de fora — 
Não sei que candeeiro 
Aceso onde na rua — 
Terei foscos desejos 
De nunca haver mais nada 
No Universo e na Vida 
De que o obscuro momento 
Que é minha vida agora! 

Um momento afluente 
Dum rio sempre a ir 
Esquecer-se de ser, 
Espaço misterioso 
Entre espaços desertos 
Cujo sentido é nulo 
E sem ser nada a nada. 
E assim a hora passa 
Metafisicamente. 


Fernando Pessoa,

terça-feira, 26 de maio de 2015

Texto da semana.....O Paradoxo da Verdade...


O homem deseja e odeia a verdade. Quer mentir aos outros - quer que o enganem (prefere a ficção à realidade), mas por outro lado receia o engano, quer o fundo das coisas, o verdadeiro verdadeiro, etc. 
Somente a razão conduz à verdade. Mas só os fanáticos, os visionários e os iluminados fazem as coisas grandiosas, mudanças, descobertas. A verdade, de tanto se tornar necessária, conduz à secura, à dúvida, à inércia - à morte. 
É muito natual que os homens odeiem aqueles que dizem ou tentam dizer a verdade. A verdade é triste (dizia Renan) - mas, com maior frequência, é horrível, temível, anti-social. Destrói as ilusões, os afectos. Os homens defendem-se como podem. Isto é, defendem a sua pequena vida, apenas suportável à força de compromissos, de embustes, de ficções, etc. Não querem sofrer, não querem ser heróis. Rejeição do heroísmo-mentira. 

Giovanni Papini, in 'Relatório Sobre os Homens' 

quinta-feira, 21 de maio de 2015


Nada é Prémio: Sucede o que Acontece..




A cada qual, como a estatura, é dada 
A justiça: uns faz altos 
O fado, outros felizes. 

Nada é prêmio: sucede o que acontece. 
Nada, Lídia, devemos 
Ao fado, senão tê-lo. 


Ricardo Reis, in "Odes" 

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Portugal profundo...olhares...





Momento de poesia...A Procura da Sabedoria


Era uma vez uma pessoa que procurava a sabedoria. Tinham-lhe dito que para a atingir tinha sempre de aceitar e recusar ao mesmo tempo tudo o que lhe fosse oferecido, dito ou mostrado. Quando perguntava por onde era o melhor caminho e lhe diziam «é por ali» ela devia seguir imediatamente nesse sentido e depois no sentido contrário. Tendo assim percorrido todas as direcções indicadas e as não indicadas, sem mais caminhos a percorrer, sentou-se no chão e começou a chorar. Sem saber, tinha chegado. 
Ana Hatherly, in 'Tisanas

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Livro do mês de maio






José Eduardo Agualusa Alves da Cunha nasceu na cidade do Huambo, em Angola, a 13 de dezembro de 1960. Estudou Agronomia e Silvicultura em Lisboa, mas a chama da escrita crescia no seu interior e, depressa se dedicou ao jornalismo e à escrita. 
A partir da década de noventa, dedicou – se intensamente à literatura, altura em que foi considerado um dos escritores da nova literatura africana, tanto no romance como no conto e poesia, em língua portuguesa, e um dos autores mais importantes surgidos em Angola. Viveu em Lisboa, Luanda e Berlim. Atualmente reside no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro.
É autor dos livros A Conjura (romance, 1988), Prémio Revelação Sonangol; A Feira dos Assombrados (contos, 1992); Estação das Chuvas (romance, 1996); Nação Crioula (romance, 1998), Grande Prémio de Literatura RTP; Fronteiras Perdidas (contos, 1999), Grande Prémio de Conto da APE; A Substância do Amor e Outras Crónicas (crónica, 2000); Estranhões e Bizarrocos (infantil, 2000), Prémio Nacional de Ilustração (Henrique Cayatte) e Grande Prémio de Literatura para Crianças da Fundação Calouste Gulbenkian; Um Estranho em Goa (romance, 2000); O Ano Que Zumbi Tomou o Rio (romance, 2002);O Homem Que Parecia Um Domingo (contos, 2002); Catálogo de Sombras (contos, 2003) e O Vendedor de Passados (romance, 2004), entre outros. É membro da União de Escritores Angolanos.
 As suas obras estão traduzidas em diversas línguas europeias.   



quarta-feira, 6 de maio de 2015

Frase do mês.













Lembra-te de esquecer.
Emmanuel Kant

Momento de poesia....Jornal, longe..



















Que faremos destes jornais, com telegramas, notícias, 
anúncios, fotografias, opiniões...? 

Caem as folhas secas sobre os longos relatos de guerra: 
e o sol empalidece suas letras infinitas. 

Que faremos destes jornais, longe do mundo e dos homens? 
Este recado de loucura perde o sentido entre a terra e o céu. 

De dia, lemos na flor que nasce e na abelha que voa; 
de noite, nas grandes estrelas, e no aroma do campo serenado. 

Aqui, toda a vizinhança proclama convicta: 
"Os jornais servem para fazer embrulhos". 

E é uma das raras vezes em que todos estão de acordo. 

Cecília Meireles, in 'Mar Absoluto