Acredito que se um homem vivesse a sua vida
plenamente, desse forma a cada sentimento, expessão a cada pensamento,
realidade a cada sonho, acredito que o mundo beneficiaria de um novo impulso de
energia tão intenso que esqueceríamos todas as doenças da época medieval e
regressaríamos ao ideal helénico, possivelmente até a algo mais depurado e mais
rico do que o ideal helénico. Mas o mais corajoso homem entre nós tem medo de
si próprio. A mutilação do selvagem sobrevive tragicamente na autonegação que
nos corrompe a vida. Somos castigados pelas nossas renúncias. Cada impulso que
tentamos estrangular germina no cérebro e envenena-nos. O corpo peca uma vez, e
acaba com o pecado, porque a acção é um modo de expurgação. Nada mais permanece
do que a lembrança de um prazer, ou o luxo de um remorso. A única
maneira de nos livrarmos de uma tentação é cedermos-lhe. Se lhe
resistirmos, a nossa alma adoece com o anseio das coisas que se proibiu, com o
desejo daquilo que as suas monstruosas leis tornaram monstruoso e ilegal. Já se
disse que os grandes acontecimentos do mundo ocorrem no cérebro. É também no
cérebro, e apenas neste, que ocorrem os grandes pecados do mundo.
Oscar Wilde, in 'O Retrato de Dorian Gray'
Oscar Wilde, in 'O Retrato de Dorian Gray'
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