Há tantas coisas em que nunca pensámos por falta de
tempo! Na esperança, por exemplo. Quem vai perder cinco ou dez minutos a pensar
na esperança, quando pode usá-los muito mais proveitosamente a ler um romance
ou a falar ao telefone com uma amiga, a ir ao cinema ou a redigir ofícios no
emprego? Pensar na esperança, que coisa imbecil! Até dá vontade de rir. Na
esperança... Sempre há gente... E ela metida como areia nas pregas e nas
bainhas da alma. Passam anos, passam vidas, aí vem o último dia e a última hora
e o último minuto e ela então aparece a tornar inesperado aquilo por que
esperávamos, a fazer o que já era amargo ainda mais amargo. A tornar mais
difíceis as coisas.
Maria Judite de Carvalho, in 'Tanta Gente, Mariana'
II
Li no nosso Hecatão que pôr termo aos desejos é
proveitoso como remédio aos nossos temores. Diz ele: «deixarás de ter medo
quando deixares de ter esperança». Perguntarás tu como é possível conciliar
duas coisas tão diversas. Mas é assim mesmo, amigo Lucílio: embora pareçam
dissociadas, elas estão interligadas. Assim como uma mesma cadeia acorrenta o
guarda e o prisioneiro, assim aquelas, embora parecendo dissemelhantes,
caminham lado a lado: à esperança segue-se sempre o medo. Nem é de admirar que
assim seja: ambos caracterizam um espírito hesitante, preocupado na expectativa
do futuro.
A causa principal de ambos é que não nos ligamos ao momento presente antes
dirigimos o nosso pensamento para um momento distante e assim é que a
capacidade de prever, o melhor bem da condição humana, se vem a transformar num
mal. As feras fogem aos perigos que vêm mas assim que fugiram recobram a
segurança. Nós tanto nos torturamos com o futuro como com o passado. Muitos dos
nossos bens acabam por ser nocivos: a memória reatualiza a tortura do medo, a
previsão antecipa-a; apenas com o presente ninguém pode ser infeliz!
Séneca, in 'Cartas a Lucílio'

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