Nós vivemos da nossa vida um fragmento tão breve. Não é da vida
geral - é da nossa. É em primeiro lugar a restrita porção do que em cada
elemento haveria para viver. Porque em cada um desses elementos há a
intensidade com o que poderíamos viver, a profundeza, as ramificações. Nós
vivemos à superfície de tudo na parte deslizante, a que é facilidade e fuga. O
resto prende-se irremediavelmente ao escuro do esquecimento e distracção. Mas
há sobretudo a zona incomensurável dos possíveis que não poderemos viver.
Porque em cada instante, a cada opção que fazemos, a cada opção que faz o
destino por nós, correspondem as inumeráveis opções que nada para nós poderá
fazer. Um golpe de sorte ou de azar, o acaso de um encontro, de um lance, de
uma falência ou benefício fazem-nos eliminar toda uma rede de caminhos para se
percorrer um só. Em cada momento há inúmeros possíveis, favoráveis ou
desfavoráveis, diante de nós. Mas é um só o que se escolheu ou nos calhou.
Assim durante a vida vão-nos ficando para trás mil soluções
que se abandonaram e não poderão jamais fazer parte da nossa vida. Regresso à
minha infância e entonteço com as milhentas possibilidades que se me puseram de
parte. Regresso à juventude, à idade adulta, ao simples dia de ontem e a
infinidade de soluções que não adoptei dava para um mundo de vidas. Foi uma só.
Nela realizei, num único percurso, aquilo que constituiu o todo de uma vida
humana. E todavia, nessa estreiteza de ser está o infinito de mim. Deus é a
simplicidade absoluta e tem o máximo de ser. Nós conhecemos em nós esse máximo
e é por isso que ao Deus o soubemos inventar.
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